Carta de Santo Afonso sobre escolha do Papa

20-02-2013 19:41

 

“Esta carta, escrita para D. Traiano Trabisonda, fora provocada por sua Emcia (o Cardial) Castelli que dela se queria servir no conclave; de tão grande estima gozava Afonso! Melhor, porém, será citar as palavras de Tannoia que (no Livro III, cap. 55) assim escreveu: ‘O eminentíssimo Castelli, bem sabendo como era grande o prestígio que Afonso tinha diante de 

todos, pelo espírito de Deus que o animava, e o peso que sua autoridade tinha junto dos Cardiais, quis (estando próxima sua entrada para o Conclave) que ele, como que respondendo a uma pessoa zelosa e amiga que lho tivesse pedido, redigisse uma carta com os principais abusos que se deviam afastar da Igreja e da hierarquia eclesiástica, e outras coisas que devessem ser levadas em conta na eleição do novo Papa.

O Cardial fez esse pedido para apresentar a carta no Conclave, para que se elegesse um Papa como as circunstâncias exigiam. Ruborizou-se Afonso com essa ordem; todavia, tanto por zelo pela glória divina, quanto para obedecer a um Eminentíssimo que ele tanto estimava, primeiro recomendando-se a Deus, assim lhe respondeu em 23 de outubro de 1774...’.”

 

 

 

Vivam Jesus, Maria e José!

Arienzo, 24 de outubro de 1774.

Meu amigo e Senhor, quanto a minha opinião, que me pede no tocante às questões atuais da Igreja e à eleição do Papa, que opinião irei dar eu, miserável ignorante, e de tão pouco espírito como sou?

Digo apenas que são necessárias orações e grandes orações; por outro lado, para livrar a Igreja do estado de relaxamento e confusão em que se encontram universalmente todas as classes, não basta toda a ciência e prudência humana, mas é preciso o braço onipotente de Deus.

Entre os bispos, poucos são os que têm zelo verdadeiro pelas almas.

As comunidades religiosas quase todas, e sem quase, estão relaxadas; isso porque nas ordens, na presente confusão das coisas, falta a observância e perdeu-se a obediência.

No clero secular ainda é pior: ali é preciso fazer uma reforma geral de todos os eclesiásticos, para assim dar conserto à grande corrupção dos costumes que reina entre os seculares.

E por isso precisa pedir que Jesus Cristo nos dê um Chefe da Igreja que, mais que de doutrina e prudência humana, seja dotado de espírito e de zelo pela honra de Deus, e esteja totalmente afastado que qualquer partido ou respeito humano; isso porque se, para nossa desgraça, nos vem um Papa que não tenha diante dos olhos apenas a glória de Deus, pouca assistência lhe dará o Senhor, e as coisas, como estão nas presentes circunstâncias, irão de mal a pior.

As orações podem remediar a tanto mal, obtendo de Deus que ele intervenha com sua mão e dê conserto.

Por isso, não apenas mandei que todas as casas de minha mínima Congregação supliquem a Deus, com mais atenção que ordinariamente, pela eleição desse novo Pontífice; mas também na minha diocese ordenei a todos os sacerdotes seculares e regulares que façam na missa a colletta pro electione Pontíficis [a oração pela eleição do Papa]; e gostaria que o Senhor inspirasse ao Sacro Colégio escrever a todos os Núncios dos reinos cristãos que, em nome do Sacro Colégio, ordenassem essa oração na missa a todos os sacerdotes.

Essa a opinião que posso dar, eu miserável.

Por essa eleição do Papa não deixo de rezar mais vezes ao dia; mas, que podem minhas frias orações? Mas, apesar disso, pelos méritos de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, confio que, antes que me chegue a morte, que está muito próxima devido à idade tão decaída e à enfermidade em que me encontro, o Senhor haverá de me consolar fazendo-me ver consolada a Igreja.

Acrescento: Amigo, também eu, como vossa Ilustríssima, gostaria de ver  reformados tantos desconsertos atuais; e saiba que quanto a isso me giram pela mente mil pensamentos que eu muito gostaria de manifestar a todos; mas depois, olhando para minha mesquinhez, não tenho coragem de apresentá-los em público, para não dar a impressão de querer reformar o mundo. Para meu desafogo, sem muita confiança porém, confio-lhe meus desejos.

Em primeiro lugar, desejaria ardentemente que o futuro Papa (uma vez que faltam agora muitos Cardiais que se devem nomear) escolhesse, entre os que lhe forem propostos, os mais doutros e zelosos pelo bem da Igreja; e que preventivamente intimasse aos Príncipes, na primeira carta em que lhes comunicar sua elevação, que, ao lhe pedir o Cardinalato para algum favorito, não lhe proponham senão pessoas de comprovada piedade e doutrina, porque do contrário não poderá aceitá-los em boa consciência.

Desejaria ardentemente que ele fosse forte na recusa de novos benefícios àqueles que já estão providos de bens da Igreja, o suficiente para sua manutenção conforme àquilo que é conveniente a seu estado. Que nisso se usasse toda a força contra todas as pressões.

Desejaria ardentemente ainda que se impedisse o luxo dos prelados, e por isso se marcasse para todos (do contrário não se remediaria a nada) se marcasse, digo, o número do pessoal de serviço conforme cabe a cada classe de prelados: tantos camareiros e não mais; tantos servos e não mais; tantos cavalos e não mais; para não continuar dando motivo aos comentários dos hereges.

E mais! Que se cuidasse mais de só conferir benefícios a quem serviu a Igreja, e não a pessoas particulares.

E mais, que se tivesse todo o cuidado na escolha dos bispos (dos quais principalmente depende o culto divino e a salvação das almas) procurando-se de mais fontes informações sobre sua vida e doutrina necessária para governar as dioceses; e que também sobre os que já governam uma diocese se exigisse secretamente dos metropolitas e de outros informação sobre aqueles bispos que pouco cuidam do bem de suas ovelhas.

Desejaria ardentemente ainda que se fizesse saber por toda parte que os bispos descuidados, e que estão falhando ou quanto à residência ou quanto ao luxo do pessoal a seu serviço, ou quanto a despesas exageradas em móveis, banquetes e semelhantes, serão punidos com a suspensão ou com o envio de vigários apostólicos para corrigir suas falhas; para que sirvam de exemplo de vez em quando segundo a necessidade.

Exemplos desse tipo fariam que estivessem atentos e se moderassem todos os outros prelados faltosos.

Desejaria ardentemente ainda que o futuro Papa fosse muito reservado no conceder certas graças que prejudicam a boa disciplina, como seja permitir que religiosas saiam de sua clausura por pura curiosidade de ver as coisas do mundo, conceder facilmente aos religiosos a licença para se secularizar, devido aos mil inconvenientes que disso resultam.

Sobretudo desejaria que o Papa reconduzisse universalmente todos os religiosos à observância de seu Instituto original, pelo menos nas coisas mais principais.

Ora vamos, não quero aborrecê-lo mais. Nada mais podemos fazer senão suplicar que o Senhor nos dê um Pastor pleno de seu espírito, que saiba estabelecer as coisas às quais acenei brevemente, conforme melhor for para a glória de Jesus Cristo.

E com isto lhe presto minha muito humilde reverência, enquanto com todo o respeito me declaro de Vossa Ilustríssima devotíssimo e obrigadíssimo servo, Afonso Maria, bispo de Sant’Ágata dos Godos.

 

(Tradução de Fl. Castro. Fev.2013)

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