O CHEIRO DAS OVELHAS E O PERFUME DO EVANGELHO
30-03-2014 12:12
O Papa Francisco é um fenômeno indiscutível, tanto no mundo religioso quanto secular. É um homem de fina percepção das realidades humanas, sensível aos acontecimentos mundiais, com ampla visão sobre os sistemas que atingem as sociedades e o indivíduo. Em sua Exortação “Apostólica Evangelii Gaudium”, tratando sobre a “transformação missionária da Igreja”, diz que a Igreja deve estar em constante atitude de saída de si mesma para evangelizar com alegria e ousadia evangélica a todos, sem exceção. Assim, “a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o “cheiro das ovelhas”, e estas escutam a sua voz” (Cap I).
Para Francisco, todas as mudanças devem acontecer “a partir do coração do Evangelho” que é “a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado”. Se a evangelização não for motivada a partir disso, “a mensagem correrá o risco de perder o seu frescor e já não ter ‘o perfume do evangelho’”. E para exalar esse aroma evangélico, as transformações devem atingir urgentemente todas as instâncias da Igreja: as paróquias “requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade”; comunidades de base e movimentos devem se integrar a realidade da paróquia local; as Dioceses devem anunciar Jesus em “lugares mais necessitados”, nas “periferias do seu território ou para os novos âmbitos socioculturais”; os bispos devem “favorecer a comunhão missionária” estando, ora á frente, ora no meio, ora atrás do seu rebanho, promovendo uma “comunhão dinâmica, aberta e missionária”, ouvindo a todos; o papado também deve se converter, abrindo-se ao novo, descentralizando as estruturas, com atitude de colegialidade.
“Cheiro de ovelha” e “perfume do Evangelho”, termos que revelam profundidade no processo de evangelização. O olfato é um dos sentidos que nos ajudam a conhecer e experimentar as realidades da vida, do mundo em que vivemos. No sentido figurado, é o instrumento essencial para a eficácia do evangelizador, do pastor, do profeta, do sacerdote.
Ao enxergar o bom aspecto de um alimento, deduzimos que ele é saboroso, mas a decisão em degusta-lo só será confirmada ou não se o olfato receber as moléculas odoríferas que expressa o aroma. O seu cheiro confirmará ainda mais a decisão de degustar o que vemos. Estudos dizem que “provavelmente a capacidade para experimentar e expressar emoções se terá desenvolvido a partir da habilidade para processar os odores”[i]. Quem perde a capacidade olfativa, terá sérias dificuldades para sentir o gosto das coisas, o contato com algumas emoções, com a natureza, e até a intensidade das experiências emocionais. O olfato também influencia a memória. Ao mesmo tempo, cada pessoa carrega em sua memória olfativa histórias e acontecimentos significativos que são lembrados ao entrarem em contato com determinados odores. Ao experimentar um determinado cheiro, faz-se uma associação com algum acontecimento importante naquele momento. Importante perceber a cooperação entre o olfato e o paladar. Eles trabalham em conjunto para que o alimento seja previamente percebido e assim, aquilo que esteja estragado não seja consumido.
A tarefa do evangelizador pode ser análoga ao trabalho do perfumista, que combina os diferentes cheiros para produzir o perfume com o aroma desejado. Não se trata de forjar alhures uma fragrância para impô-la em oposição ou negação ao “cheiro das ovelhas”. Evangelizar é a capacidade de potencializar o “perfume do Evangelho” que já se encontra ungido nos corações humanos para que Deus receba e aspire e reconheça como seu o mais belo, nobre e agradável odor que O glorifica.
O olfato auxilia a construir a memória de fatos importantes da vida. A Eucaristia faz presente à memória do Sacrifício de Jesus na Cruz que salvou a humanidade. Pela Eucaristia celebrada nas comunidades cristãs, o aroma do Evangelho tem sabor de pão e vinho e é lançado e impregnado no corpo e na alma dos cristãos. Eucaristia tem cheiro de pão partilhado, de alegria comunitária, de encanto pelo Mestre, de fraternidade festiva, de gratuidade relacional. Cada ação inspirada pelo Evangelho, seja individualizada ou em grupo é o momento em que se exala as fragrâncias do Evangelho.
O “Santo Sacrifício” é o momento de reconhecer, purificar e renovar o “perfume do evangelho”, que contém a “identidade odorífera” da morte e ressurreição de Cristo: as lágrimas, os prazeres e os sofrimentos do povo, são levados ao altar eucarístico onde é exalado como incenso saboroso que chega aos “sentidos de Deus” que os internaliza em seu bondoso coração. Todo sofrimento e toda alegria devem ser levados ao altar Eucarístico e celebrados com vivacidade, oferecidos como incenso saboroso que chega aos “sentidos” de Deus, que os recebe em seu bondoso coração. Podemos dizer que é estéril um esforço evangelizador que não seja fruto de muita oração, sem o profundo envolvimento dos agentes evangelizadores com o seu povo.
Quem se propõe ser evangelizador não pode viver “em gabinete”, distante do povo, sem o constante contato pessoal com seus irmãos. O resultado seria o mesmo de uma pessoa acometida de anosmia (pessoa que não sente cheiro e também tem seu paladar comprometido) querendo ser perfumista. É a relação de proximidade que vai criando afeto, sentimento de pertença e atitude de defesa do seu povo. Quem evangeliza apenas nos espaços virtuais, jamais será um “bom Pastor” que dá a vida por suas ovelhas, nunca sentirá o “cheiro das ovelhas” nem exalará o “perfume do evangelho”.
O Pastor que vive entranhado na vida das suas ovelhas, adquire identidade evangélica forte, resistente, segura, porque trará em si um pouco do “cheiro” do seu povo. Com o tempo; aos poucos vai aprofundando a sensibilidade necessária para perceber os gritos silenciosos e os sorrisos escondidos nos rostos que transitam. Assim, vai se aperfeiçoando na arte de sentir e perceber os sofrimentos e esperanças do seu povo. A comunidade que ele pastoreia o reconhecerá como Pastor, porque sua identidade exala do “perfume do Evangelho”
Com novos ares renovando a vida da Igreja, é tempo de ousar novas ações evangelizadoras e espalhar o “perfume do Evangelho” que é a essência da Palavra de Deus combinada com o “cheiro das ovelhas”. Que cada um de nós deixe-se penetrar do novo e agradável odor que renova, motiva e revitaliza a caminhada até o Cristo caminho, verdade e vida.
José Torres, CSsR.