Pe. Luiz Farias Torres

08-12-2021 17:02

Pe. José Torres, CSsR[1]

  1. Um homem, um projeto: “Para os Preferidos de Deus, Casa, Carinho e Alimento”

Pe. Luiz Faria Torres, um homem de grandiosa capacidade para marcar os corações. Quem com ele encontrou-se, não o deixava sem ser tocado pelo seu sorriso. O povo de Palmeira dos Índios-AL e da cidade de Igaci-AL, conheceu a santidade deste homem ímpar na história da Igreja diocesana. Em Igaci, ele viveu 20 anos atuando como pároco e vigário paroquial. Todos os munícipes do território igaciense conhecem muitas histórias de sua presença santa, de muita caridade e de esperança por ele plantada nos corações do povo mais pobre. O padre semeador era conhecido como um homem inteligente, competente, sábio e de grande habilidade para resolução de problemas. Mas sua marca maior era a confiança em Deus, na Providência Divina.

Iniciou sua formação para a vida religiosa no Seminário da Congregação Salesiana, os filhos de Dom Bosco. Seu itinerário formativo voltado para a educação o fez um grande pedagogo. Para ele as crianças eram presença de Deus. Em entrevista à equipe da Pastoral Rural da CNBB, em 1989, dizia o Pe. Farias:

 “Eu, de formação sou salesiano. No meu tempo como salesiano eu trabalhava também no seminário. Depois do Concílio Vaticano II os Seminários foram desativados e eu queria ficar em contato com a pastoral, optei pela paróquia e vim para Igaci-AL, já fazem 21 anos, mas sempre fiquei com essa vocação primeira a que fui chamado: trabalhar com as crianças. E aqui,  a nossa casa, abre os braços para todo mundo.” [2]

Tendo optado pela vida diocesana, buscou trabalhar com aqueles que ele mesmo definia como “os preferidos de Deus”, a crianças abandonadas, através da “Pastoral do Menor Carente” e da Pastoral Rural. Por inspiração de Deus, com a colaboração dos fiéis da Paróquia de Nossa Senhora da Saúde, fundou uma instituição que acolhia crianças, adolescentes e jovens, ajudando-os a direcionar o seu futuro. Eu fui um dos beneficiados pela bondade e ternura de Deus presentes na vida e em cada gesto do Padre Luiz Farias. “Para os preferidos de Deus: Casa, Carinho e alimento” (CCA), era a frase que definia o objetivo e o lema do Projeto social idealizado pelo “Farias”, como era conhecido pela população. A CCA ajudava a resgatar a infância das crianças, oferecendo formação intelectual, moral e educando para a vida integral.  Crianças abandonadas e outras de origem rural, cresciam juntas e tinham oportunidades iguais, recebendo o essencial para o seu desenvolvimento:  casa, carinho e alimento.

Falando sobre a origem do seu grandioso projeto, dizia o nosso reverendo:

“Em 1983 foi a grande forme aqui no Nordeste e, em nosso grupo de conscientização da Paróquia, precisávamos fazer algum gesto concreto. Foi quando o Conselho Paroquial decidiu  que nós começássemos um trabalho a favor das crianças, principalmente das crianças que estavam morrendo de fome; houve mortes. E assim começou a CCA. Fizemos a inauguração no dia 12 de outubro de 1983, consagrando  CCA aos cuidados de Nossa Senhora Aparecida que é a padroeira do Brasil. Ela é também a padroeira especial da CCA”.[3]

A origem do projeto tem base nas Sagradas Escrituras. Percebendo a realidade de fome e morte daquela época, a inspiração de fundar uma obra de caridade vem da sua obediência  à palavra de Jesus que mostrava as crianças como sendo preferidas de Deus.

Nós estamos convencidos de que o menor não é problema, o menor é solução. Essa casa desenvolve suas atividades baseada nas passagens do Evangelho: “quem acolhe o menor e ao bem conduz, a mim me acolhe, diz Jesus”; e outra frase: “deixai vir a mim os pequeninos; quem não for simples como as crianças, não pode entrar no Reino do céus” (Mt, 18,3-5).[4]

A explicação sobre o tema e o lema da sua obra social é instigante. A preferência de Deus pelos mais abandonados é a coluna que sustentava sua obra de solidariedade:

O nome completo da nossa casa é: “para os preferidos de Deus, Casa, Carinho e Alimento”. As crianças carentes são duplamente preferidas por Deus: “preferidas” porque são crianças e porque são pobres, são carentes. Jesus, durante toda a sua vida, mostrou essa sua preferência e aqui é a casa do menor carente;

Mas a CCA não era uma casa de educação forçada, ou uma instituição cheia de protocolos corretivos para seus moradores. Ali, buscava-se viver como família, como irmãos que se amavam, fazendo a experiência de curar as feridas do abandono para reconstruir o caminho a ser trilhado e seguir em frente. Dizia o Padre Farias:

Aqui não é um internato, não é um orfanato, não é qualquer tipo de casa de correção, é uma “casa”, é uma segunda experiência. A primeira experiência para a maioria desses meninos e meninas foi negativa, não tiveram casa, não tiveram carinho, não tiveram alimento; o problema da família é muito importante, e aqui, a gente se dispõe a este programa, dar para a crianças que Deus envia para a nossa casa: casa, carinho e alimento.

Sou testemunha dessa verdade, pois residi durante cinco anos na “Casa do Padre Farias”. Ali, continuei os estudos a partir da Sétima Série do antigo “Primeiro Grau” até a conclusão do “Magistério”, que corresponde ao atual Ensino Médio.

O Padre, grande músico e pedagogo, compôs o “Hino da CCA”, que mostra a verdadeira forma de ser “ceceano”, expressando valores importantes a serem cultivados na convivência em grupo como a união e a amizade:

Hino da CCA[5]

Eu tenho um bom amigo,

O melhor não acharás!

Sua presença ou lembrança,

Dá coragem e esperança

E tão feliz me faz! (bis)

 

CCA, CCA, CCA, CCA!

Serei leal, por ideal! Por ideal!

Unidos levamos,

Levamos para  a frente os grandes ideais!

“Um por todos, um por todos

E todos nós por um” (bis).

 

Se enfrentas tristes nuvens

Que envolvem o seu véu

Meu amigo é um sorriso

Que mais vale o paraíso

E tão feliz me faz! (bis)

 

Feliz quem tem amigos,

Puros, nobres e leais!

Meu amigo é um tesouro

Que mais vale mais que ouro

Que tudo, tudo mais! (bis)

 

A CCA tinha três pólos de acolhida de crianças e adolescentes: a casa das meninas, a “CCA-I” (primeira casa que acolhia meninos); a casa dos meninos, “CCA-II” (construída posteriormente); e a “CCA-III”, chamada de Colônia Agrícola (lugar para o ensino das técnicas agrícolas, com o objetivo também de manter as casas com produtos do trabalho dos internos).

  1. Uma luz para a cidade

Como um homem “visionário”[6] e de rara inteligência, Padre Luiz Farias, uma das mais importantes personalidades do município, tem uma contribuição incomensurável na história e no desenvolvimento social, educacional e religioso da cidade. Como é impossível elencar seus feitos todos sem que haja uma pesquisa intensa, cito abaixo outros que podemos constatar: o Hino de Igaci, sua Bandeira e o Colégio Cenecista Monsenhor Macedo.

  1. O Hino e  a Bandeira de Igaci[7]:

A letra e a música do hino foi composta pelo Pe. Luiz Farias Torres. Revela-se aqui uma das habilidades mais interessantes do nosso reverendo entusiasta: a poesia de alta qualidade. No site oficial Ada Prefeitura do município, encontramos as provas:

 Por tua gente, tua terra e tua história

Progressista por teus feitos imortais,

Tua independência é lídima vitória,

Verbena linda, entre doces mananciais.

 

Refrão: Salve, salve Olhos d’Água do Accioly, venturosa Igaci!

 

Uma análise do Hino de Igaci, revela que a Família Torres é pioneira na história da cidade. O Pe. Luiz não foi o único a residir naquela região e contribuir para com o seu desenvolvimento. Entre outras famílias que deram origem ao povoado de “Olho d´Água do Accioly”

Na pátria história os teus filhos já fulguram,

Os  Albuquerque, Torres, Sampaio Luz,

E a ala jovem, ciência, cresce, estuda e estua

Por ver-te grande em terras de Santa Cruz.

 

A história e a cultura da região foram inseridas na letra do hino, como também em sua bandeira, pensada e tecida com os dons poéticos e utópicos do reverendíssimo Padre.

A Bandeira de Igaci foi idealizada pelo Padre Luís Farias Torres. Foi adotada como bandeira oficial do município em 1970.[8]

 

Fundamentando ainda mais a tese da contribuição dos Torres para o engrandecimento do povo igaciense, encontra-se na Wikipedia - enciclopédia online – esta contribuição:

Entre os primeiros que contribuíram para o rápido desenvolvimento daquele núcleo estavam Serapião Sampaio, Santos Silva, capitão Bartolomeu de Souza Vergueiro, Justino Luiz, as famílias Torres e Tomas de Albuquerque e Carlos Pontes que veio a tornar-se mais tarde um dos grandes vultos da literatura e da política nacional.[9]

 

  1. A Escola Cenecista Monsenhor Macêdo

A preocupação com o desenvolvimento de uma região passa obrigatoriamente pelo investimento em educação. Por isso, o então Monsenhor[10] Luiz Farias Torres fundou um Colégio, através da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC). O Colégio Monsenhor Macedo era a única instituição de ensino pago, com  melhor qualidade. Apesar disso, muitos alunos não pagavam mensalidade: todos os membros da CCA, meninos e meninas estudavam gratuitamente no Colégio, tudo por conta – e risco – do Diretor, Padre Luiz Farias. As despesas eram muitas e, por isso, os professores sempre tinham seus salários atrasados porque o Colégio não conseguia cumprir por completo seus compromissos financeiros.

 

  1. Espiritualidade na ordem do dia

Padre, Músico, pedagogo, arquiteto, engenheiro, professor, Diretor do Colégio, Reitor de Seminário, Pároco, agrônomo, administrador e tantas outras funções foram marcantes na pessoa do Padre Farias. Era um homem “multi-funções”. Houve época em que além de diretor da CCA, carregava o peso da Reitoria do Seminário Arquidiocesano de Maceió, dava aulas e fora Diretor do Colégio Monsenhor Macedo.

Mas, o que impressionava era sua serenidade diante do peso de tantas responsabilidades. Ele era sustentado por uma mística profunda. Sua presença dirimia quaisquer rusgas e problemas. Era respeitado por sua mansidão, doçura e equilíbrio. Quando estava vivendo algum momento de angústia maior ou grandes preocupações, seu rosto ficava mais sério e avermelhado, mas nunca perdia o equilíbrio diante de nenhuma das crianças. Sua atitude era sempre de diálogo, aconselhamento, incentivo, acolhida e firmeza de quem ama.

A presença do Padre Farias transbordava algo de misterioso e divino. Sua postura era de pai e irmão mais velho. Todos os dias, às 20h, havia a Oração da Noite e, quando ele estava em casa, rezava o Terço ladeado de suas crianças. Às vezes cochilava, por conta do cansaço, mas retomava a oração e se mantinha firme até o fim, dando a todos a Bênção para poderem dormir tranqüilos. A noite passava e, de manhã cedo, às 6h, ouvíamos as volumosas palmas que ardiam como sinos no espaço do dormitório, avisando que já era hora de levantar. Depois das palmas, o Padre dizia: “Bendigamos ao Senhor”, ao que todos respondiam “demos graças a Deus”. O dia começava sob olhar de Deus. Logo se fazia a fila para o uso dos toillets e pias para a higiene pessoal. Meia hora depois, estavam todos na sala-de-estudos, para a oração matinal .

Com postura reverencial, pedia silêncio e começava a oração da manhã:  “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”! Seguia-se assim com a seguinte oração:

 

Eu Vos adoro, meu Deus, e Vos amo com todo o coração. Dou-Vos graças por me terdes criado, feito cristão e conservado nesta noite. Ofereço-Vos as ações deste dia; fazei que sejam todas segundo a Vossa santa vontade, para a Vossa maior glória. Preservai-me do pecado e de todo o mal. Esteja a Vossa graça sempre comigo e com todos os que me são caros. Assim seja! Pai nosso que estais nos céus... Ave Maria... Santo Anjo do Senhor... Glória ao Pai...

 

Perfilados na ordem dos menores, médios e maiores, seguíamos todos para o refeitório onde o grupo se alimentava para depois seguir para os estudos no Colégio Monsenhor Macedo. O Padre acompanhava cada um com o seu olhar de pai. Boné na cabeça, chaves tilintando nas mãos, olhar profundo vazado pelas grossas lentes dos óculos, como se passasse em revista os seus soldados, chamava a atenção de um, orientava outro, e depois seguia para o seu café com a Comunidade Religiosa das Irmãs que cuidavam da casa das meninas.

Aprendi com o Pe. Farias que diante dos problemas que não podemos resolver é sábio calar-se e orar. Eu via sua postura serena e tranqüila, embora seu coração estivesse sofrendo pelas dívidas que assumia para poder cumprir os compromissos de dar alimentação, pagar água, luz e escola para tanta gente. Nunca reclamava dos problemas, não “descontava” suas frustrações  com atitudes ríspidas, mas de forma amável, estava presente como pai amoroso que cuida dos filhos que ama.

As economias para a administração das casas não eram suficientes, embora ele recebesse alguma ajuda de uma instituição alemã que promovia projetos para crianças em situação de pobreza extrema no nordeste do Brasil (Rette ein Kinderleben[11]). A “Providência Divina”, como ele não se cansava de dizer, garantiria o essencial para suas crianças. Sua Confiança inabalável em Deus o mantinha sereno nos momentos de aflição, em equilíbrio interior, resignado e em paz com todos em seu ambiente.

O Pe. Luiz Farias foi um homem reto, virtuoso, sábio, sonhador, ousado, destemido, obediente, orante, fecundo, santo! Essas virtudes eram expressas a todo momento. Era o Evangelho vivo em meio aos pequenos. Impressiona-nos como nele transbordava tantos sonhos, tanta vida, tanto amor! Foi uma vida verdadeiramente consagrada a Deus, vivida numa doação total à Igreja, ao povo e por isso, ao reino dAquele que o chamou, consagrou e enviou para cuidar dos Seus preferidos, dando-lhes “Casa, Carinho e Alimento!

FONTE: 

TORRES, João Bosco. "Avelino Torres: Relatos Biográficos de Descendentes". 1 Ed., Maceio-AL: Ediora do Autor, 2022.

 


[1] Missionário Redentorista, atualmente reside em São Paulo. Natural de Palmeira dos Índios-AL, nasceu no povoado Serra da mandioca (filho de João Paciência Torres e Maria José de Lima Torres). Para dar continuidade aos estudos, foi morar em Igaci, (CCA) no Projeto Social fundado pelo Pe. Luiz Farias Torres. Ao terminar os estudos do antigo Segundo Grau, mudou-se para a Capital de São Paulo onde trabalhou por dois anos. Em 1993 entrou para o Seminário Redentorista e, em 1998 professou os Votos Religiosos como Irmão Redentorista; em 2014 foi ordenado presbítero em Aparecida-SP.

[2] CF: https://www.youtube.com/watch?v=Pvw6vx3ClNo&feature=youtu.be

[3] CF:  Idem Video (12:20)

[4] CF:  Idem (início)

[5] Letra e Música: Pe. Luiz Faria Torres

[6] No sentido de ser um grande idealizador e sonhador de projetos grandiosos.

[7] CF: https://www.igaci.al.io.org.br/hino

[8] CF: Idem

[9] CF; https://pt.wikipedia.org/wiki/Igaci

[10] Monsenhor é um título eclesiástico concedido pelo papa aos presbíteros que exercem funções de destaque no governo ou na diplomacia da Igreja católica.

CF: [11] https://www.simja.org/

 

 

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